domingo, 4 de setembro de 2016

Felicidade em doses homeopáticas

Já faz um tempo que venho comentando com Leti que convidaríamos algumas amigas para virem brincar com ela em nossa casa. Mas, por razões das mais diversas, a ideia vinha sendo adiada.
 
Na última segunda feira, quando fui buscá-la na escola, fui abordada por 3 (lindas) colegas que, euforicamente falavam do desejo de irem à casa de Leti, e, praticamente, me intimaram a marcar o dia do encontro.
 
Depois de combinar com as mães, marcamos das 3 (e mais uma) virem passar uma tarde conosco na última sexta feira.
 
Quando falei com Leti que já estava tudo certo, ela lembrou-se de uma outra ideia que tivemos quando, semanas antes, comentávamos sobre o possível encontro: a comemoração do aniversário de Totó.
 
(Apenas para contextualizar: Totó é o ÚNICO brinquedo de que Leti gosta. Um cachorrinho que faz bolinhas de sabão. Mateus ganhou o primeiro de sua madrinha, no aniversário de um ano e, desde então, diversos outros passaram por nossas vidas. É que, como o modo de brincar dela foge um pouco do tradicional (e uma das minhas grandes dificuldades com minha pequena é justamente fazer com que ela brinque de maneira funcional), a vida útil do brinquedo se encurta. Ela morde seu pé, o joga no chão, arremessa na piscina, usa-o para bater na cabeça das pessoas... Mas também deixa claro o seu afeto, ao utilizá-lo como consolo e olhá-lo com aquela expressão que só dispensamos às coisas mais especiais. O fato é que esta relação de amor e ódio acaba por promover a rápida deterioração do brinquedo, mesmo com nosso discurso politicamente correto sobre o cuidado com as coisas, e, junto com a integridade dele, vai-se o interesse.)
 
 
 
Mas, superada a apresentação do "aniversariante", é importante esclarecer que, apesar de não termos dúvidas quanto aos fortes vínculos que unem Leti a seu Totó, o que, de fato, estava nas entrelinhas dos seus planos era um enorme (e incessante) desejo de comer bolo.
 
Como o dia tinha que ser especial, e tentamos sempre validar as propostas da minha pequena, batemos o martelo: faríamos o aniversário de Totó.
 
Para incluí-la no processo de organização da festa, levei-a para a cozinha para prepararmos o bolo na noite de quinta.
 
Normalmente quando fazemos bolo (sempre por iniciativa de Mateus, que adora se lambuzar com a massa), usamos aquelas massas prontas, que reduzem o risco do produto final não sair a contento. Mas já era noite e não tínhamos um mísero pacotinho em nossa despensa.
 
Resolvi então colocar outro plano em prática. E que precisa de outra contextualização.
 
Em abril, uma prima paulista de Samir veio nos visitar e trouxe para meus pequenos uns livros de presente. Mas não foram livros quaisquer. Foram livros que ela leu, releu e guardou para presentear alguém especial. Um deles ficou no top five de Teu e Leti por semanas seguidas: O Castor Cozinheiro.
 
 
 
O livro é uma fofura e narra a história de dois amigos num momento de cumplicidade, colaboração e carinho, no dia do aniversário de um deles.
 
Propus prepararmos o bolo de Bruno, personagem do livro, e, embora Teu tenha resistido um pouco no início, porque queria bolo de chocolate, no que era acompanhado pela irmã, depois de uma pequena adaptação, todos compraram a ideia.
 
Lá fomos nós para a cozinha, separar os ingredientes para preparar o bolo. (confesso que fiquei com medinho d´ele solar, mas no final deu tudo certo).
 
Leti normalmente não é muito colaborativa nestes momentos mas estava especialmente participativa no preparo do bolo para suas amiguinhas. Aceitou até segurar um pouco a batedeira, coisa que nunca faz.
 
 
 
Depois do bolo pronto, tive que correr para colocar todo mundo para dormir porque minhas técnicas de convencimento estavam indo por água abaixo e eles continuavam teimando em insistir na prova do bolo.
 
O grande dia chegou. Estes dias em que Leti recebe amigas em casa são sempre de grande expectativa para mim. Fico ansiosa, com palpitação, sentindo um misto de medo e alegria.
 
Esta seria a primeira vez que viriam 4 amigas de uma só vez (o aniversário não conta, porque era outra proposta). Meu medo era as meninas brincarem entre si, e ela, que precisa de muita mediação para brincar, acabar ficando de  lado.
 
Quando cheguei na escola, foi aquele alvoroço! As meninas animadíssimas e Leti no meio do clima de euforia.
 
Com ajuda de duas pessoas, acomodei as 6 crianças na minha vã (rs), e segui para casa, ao som de Frozen, atendendo ao pedido de Leti.
 
Poderia traduzir minha tarde numa frase: felicidade em doses homeopáticas.

E as primeiras gotinhas tomei ainda no carro. Leti escolheu a música mas não cantou. Ou cantou tão baixinho que não consegui escutar. Mas as meninas cantavam com um vigor que me contagiei e cantei junto. Alto. Com o coração nas cordas vocais. O que senti foi uma coisa curiosa. Um pouco de nostalgia pelo que nunca vivi com minha filha (esse momento de cantar alto no carro, com emoção), mas sem um sentimento de pesar, que, pelo contrário, cedeu espaço a um de gratidão, por poder estar vivendo aquilo com ela e suas amigas. A música foi "você quer brincar na neve", que foi sucedida por outras do álbum, mas que não me tocaram tanto como a primeira. Ao entrarmos no condomínio, ainda consegui gravar um pedacinho da performance da música da vez:
 
 
O arrear das malas (rs) já indicava que eu não tinha o que temer em relação à quantidade de crianças. Logo na chegada, na espera do elevador, todas se revezavam em carinho e atenção em  relação a Leti, mostrando que inclusão pode ser algo intuitivo, espontâneo e efetivo.
 
 
 
Chegando em casa, não foi diferente. Enquanto esperávamos o almoço, aproveitamos o momento para um deleite literário. Leti escolheu o livro da vez: Casarão Mal Assombrado e, quando comecei a ler, encontrei uma voluntária para assumir meu posto.
 
O momento era de cumplicidade e integração plena! E foi com essa cena que tomei nova dose de felicidade:
 

Desta para a seguinte, pouco tempo apenas, porque a sessão leitura teve continuidade no quarto da minha pequena e, ali, eu pude me deleitar com uma sequência de atenção, sorrisos e surpresas. Suas amigas tiveram oportunidade de compartilhar dos seus interesses que, invariavelmente, despertam seu espontâneo senso de humor e nos brindam com boas risadas. As cenas dão uma pequena mostra do que tento descrever.
 
 
 
Na hora do almoço a grande surpresa foi o alface e tomate no prato de TODAS as crianças. Aliás, todas exceto as minhas. Mateus não come nada de salada e Leti, apesar de adorar verduras, não come nada cru.
 
A diversão invadiu também a hora do almoço. O único momento em que Leti não ficou brincando com as meninas foi o intervalo entre o almoço e a piscina. Ela costuma ver TV neste horário e as meninas queriam brincar de argila. Tentamos integrá-la à brincadeira, mas ela não quis, resistiu. Então lhe demos o tempo que precisava, enquanto as meninas brincavam com Mateus, e logo, logo, tudo retomou seu rumo.
 
 
A piscina era o momento mais esperado da tarde para as meninas (para Leti era o bolo!). Para promover uma convergência de interesses, combinei de levarmos o bolo para a piscina e, na hora do lanche, batermos os parabéns de Totó lá mesmo.
 
Na piscina houve espaço para tudo. Brincadeira de todos juntos, brincadeiras em pares, brincadeiras individuais...
 
Fiquei impressionada com o feeling das meninas. Descobriam uma brincadeira que Leti curtia, e lá iam elas, revezando-se para brincar com minha pequena. Primeiro foi de derramar o balde de água na cabeça, depois de jogar o Totó para Leti mergulhar e pegar no fundo da piscina, depois de se pendurar nas costas dela para ela mergulhar... E ela topava, brincava, se divertia, ria, e meu coração seguia enchendo-se de felicidade.
 
Os momentos de brincadeira eram sempre intercalados com demonstrações inequívocas de carinho e cuidado.
 


 
 
E quando o relógio marcou 15h, foi chegada a hora mais esperada pela minha princesa: a hora de parar, cantar os parabéns de Totó e comer bolo com pãozinho, que todas as crianças provaram, aprovaram e repetiram.
 

 
Depois do lanche, a brincadeira continuou na piscina e, quando terminou, ainda tiveram interesse em continuar na água, desta vez, na banheira.
 
Como a oferta era menor que a procura, combinei de fazermos um sorteio para definirmos o primeiro trio a usar o espaço. Todos participaram do procedimento, aceitaram - e não impugnaram - o resultado.
 
Foi momento de compartilhar, entender e respeitar o tempo e espaço do outro. No final, tudo virou uma grande folia!
 
 
Quando o banho acabou, já estava quase na hora de as crianças irem embora. Pedi para as mães buscarem-nas num horário um pouco mais cedo, para coincidir com o tempo de aproveitamento de Leti, e deixar todos com gostinho de quero mais E foi perfeito!
 
As meninas saíram felizes, Leti ficou feliz e eu, apesar do cansaço, irradiava pelos poros uma felicidade ainda maior, ao mesmo tempo em que me questionava como seria mais fácil a inclusão em nosso país se conseguíssemos manter a espontaneidade e autenticidade da infância.
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