quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Pelo Direito de Não Querer ir à Disney

Quando decidimos fazer uma viagem para Orlando neste ano, falei aqui da minha preocupação em montar uma programação que atendesse aos interesses dos meus três filhos, principalmente por conta da resistência de Leti para permanecer em parques.
 
O tempo foi passando, fui estudando a viagem, conversando com profissionais, e decidindo o ritmo que imprimiríamos a nossas férias.
 
Quando conversei com sua psicóloga sobre minha angústia em relação à reação de Leti na Disney, a pergunta que ela me fez foi: "Você perguntou a ela se ela queria ir à Disney?"
 
Não. Claro que não! Não perguntei a nenhum dos meus filhos. Simplesmente comprei as passagens porque sequer passa(va) pela minha cabeça a possibilidade de uma viagem de férias em família sem um dos meus filhos.
 
Mas isso ficou martelando a minha cabeça. Ainda assim, não tive coragem de fazê-la a dita pergunta.
 
Mas em São Paulo, na viagem que fizemos para levá-la à consulta com o psiquiatra, um acontecimento me fez mudar de ideia.
 
No último dia da viagem, um domingo, resolvemos ir ao Parque da Mônica que, inicialmente, não estava em nossos planos. Chegamos ao shopping para almoçar e já ficaríamos para o parque. Falamos com Leti sobre a programação quando estávamos curtindo a manhã no Ibirapuera e, no almoço, já no shopping, retomamos o assunto. Sua reação foi de extrema resistência. Dizia e repetia, muito angustiada, que não queria ir ao parque.
 
Eu que, com o auxílio da terapia, já vinha me trabalhando para compartimentar as programações de fim de semana com os pequenos, para compatibilizar o interesse de Leti, que tem uma agenda semanal tumultuada, de ficar em casa, com o de Mateus, que durante a semana só sai para ir à escola, de ir à rua, prontamente entendi que era o momento de respeitar a sua decisão e nos dividirmos para atender a ambos. Mas Samir, que ainda não estava preparado para admitir o lazer segregado, insistia em tentar convencê-la a ir ao parque.
 
Propusemos que fosse pelo menos até a entrada e, lá, decidisse se queria entrar ou não. Foi quando ela reiterou suas colocações e nos apontou uma solução para o aparente problema: "Teteu vai para o parque e Leti vai para o hotel."
 
E foi o que aconteceu. Samir foi ao parque com Teu e eu voltei para o hotel com ela.
 
Naquele momento, o que eu já suspeitava ficou claro também para o papai-apaixonado: a Disney definitivamente não era viagem para Leti.
 
Ainda assim,  maturamos muito entre nós nossas impressões e constatações antes de tomarmos coragem de perguntá-la se queria ir à Disney conosco.
 
E a resposta foi a que imaginávamos. Não!
 
Como estivemos na Disney Paris em abril deste ano, como relatei no post linkado acima, ela ainda tinha muito nítido na memória o que era ir à Disney. Também sabe o que é ficar em casa enquanto os pais viajam, porque regularmente viajamos sem as crianças. O que procuramos mostrá-la, para que sua decisão fosse plenamente consciente, foi que desta vez seria diferente. Seus irmãos também iriam e só ela ficaria em casa. Sua avó ficaria em nossa casa com ela, que teria a rotina mantida, mas nós quatro estaríamos viajando.
 
Ela escutava atentamente e sempre dava a mesma resposta. Das primeiras vezes, quando perguntávamos com quem ficaria, ela respondia que seria com papai ou mamãe, oportunidade que aproveitávamos para mostrar que nós não estaríamos com ela, mas viajando. Em pouco tempo ela assimilou a informação e já sabia que viajaríamos e ela ficaria com a vovó Irá. Chegou a comentar em nossa ausência que não queria viajar, mas ficar com a avó.
 
Foi uma decisão difícil que decidimos bancar. Nos primeiros dias a sensação era de torpor. Uma coisa esquisita, como se nos faltasse chão. Então cancelamos as passagens dela e percebemos que não havia mais volta.
 
A decisão coincidiu com um período em que eu não estava muito bem e aproveitei para intensificar a terapia para me trabalhar diante da nova realidade.
 
Tanto eu como Samir sabíamos que estávamos fazendo a coisa certa. Por tanto tempo desejamos maturidade da nossa filha para se colocar diante da vida, investimos tanto para isso. Perceber seu discernimento num assunto tão sensível deveria ser motivo para extrema alegria. Mas, ainda assim, estávamos com o coração apertado.
 
Ela se manteve firme na decisão até o dia da viagem. Em momento algum pestanejou em relação ao interesse na viagem.
 
Conversamos muito, montamos um calendário, organizamos tudo para que sua rotina fosse mantida, aprendi a usar Skype para que nos víssemos diariamente e embarcamos.
 
Na hora de me despedir desabei. Deus, como foi difícil abraçá-la e dar-lhe tchau. Parece que viajaria faltando um pedacinho de mim.
 
Mas procurei ser sincera com ela e comigo. Falei que sentiria muita saudade, mas que respeitaria o seu desejo de querer ficar.
 
Uma conversa com uma amiga dias antes me ajudou muito a encarar a situação. Ela falava da sua sensação diante do luto pelo óbito do seu pai. Dizia que em alguns momentos se sentia culpada quando se divertia com os filhos, como se estivesse traindo o pai, por achar que precisaria vivenciar a tristeza do luto o tempo todo. Ela me falava que trabalhar a questão da lealdade a havia ajudado a passar pelo momento da crise. Nos momentos de tristeza, ela seria leal à tristeza e a viveria intensamente. Quando estivesse brincando com os filhos, seria leal a seus sentimentos e às necessidades deles, também intensamente.
 
Percebi que precisaria ser leal aos meus dois outros filhos, que estavam ansiosos pela viagem, e deveria curtir intensamente com eles, sem culpa. E que, se em algum momento, a saudade excedesse à normalidade e me causasse alguma tristeza, eu também seria leal ao meu sentimento, deixando minha família perceber que era algo que eu precisaria viver.
 
Em alguns momentos, como era de se esperar, a saudade apertava mais, mas conseguimos contornar tudo da melhor maneira possível. Os meninos sempre se lembravam da irmã e Lipe, diariamente, dizia estar com saudade da "sua princesa", o que foi muito significativo para mim, porque evidenciou ainda mais o laço que os une.
 
Foi a primeira experiência e serviu para mostrar que precisamos reestruturar nossa forma de pensar e agir para melhor atender às necessidades de nossos filhos, que têm diferentes demandas e interesses.
 
Uma nova fase se inicia por aqui...
 
 
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