terça-feira, 23 de julho de 2013

Um lindo processo de descoberta

Estava tudo no script! Leti dormiu às 20h e Mateus já estava dormindo. Fiz companhia ao primogênito até dormir, tomei um banho, dei uma olhadinha no facebook (ê, vício!) e, às 21h, o espaço já se encontrava organizado para eu começar o meu turno de trabalho.

Tudo fluía naturalmente até que, às 22h, Leti resolveu acordar.

Fui ao seu quarto, dar um aconchego, achando ser o choramingo de costume, que logo cederia espaço ao sono profundo. Ledo engano! A disposição estava, para meu terror, instalada em seu corpo. Ela queria descer da cama, queria brincar, queria ler um livro, queria assistir um desenho, enfim, queria tudo, menos dormir!

E eu, que só pensava nos processos que me aguardavam no quarto, arranjava mil justificativas para tentar demovê-la da intenção de descer da cama.

Quando ela disse que queria assistir o Peixonauta, disse que era hora de dormir, e que o pegaria (seu boneco de pelúcia) para dormir conosco. Não acreditei que ela fosse dar muito cartaz a esta investida. Então ela me disse que queria pegar a Pirata (Uníqua, do Backyardigans). Prontamente, me levantei para buscá-la e entreguei em sua mão.

Fiquei impressionada com sua reação. Ela, que não demonstra muito (ou quase nenhum) interesse por bonecos e pelúcias, segurou a Uníqua pelas duas mãos, acima da sua cabeça, e ficou um tempão conversando, sorrindo, mostrando as partes do seu rosto (nariz, boquinha, olhos - sim, no plural -, depois que levantava o tapa olho para ver os dois), se divertindo! Foi um momento lindo!!! Foi a primeira vez que vi uma interação plena sua com um boneco.

Um pouco depois, percebi um cheirinho característico e, ao avaliar sua fralda (há um ano arrastamos um processo tormentoso de desfralde), encontrei ali um bônus. Depois de trocar sua fralda, ela me disse que queria fazer cocô no vaso. Apesar de achar que se tratava de um mero subterfúgio para sair da cama, levei-a ao banheiro, valorizando a sua comunicação.

Conversando com ela, aproveitei para mencionar o carocinho em seu olho e lhe dei um espelho para que pudesse vê-lo. Ela, na verdade, não conseguiu reparar no carocinho. Acho que, talvez, por ter encontrado algo muito maior, muito mais interessante. Uma menininha linda do outro lado do espelho, com um sorriso largo nos lábios, tagarelante e super disposta chamava a sua atenção.

E pela segunda vez, em uma mesma noite, a minha pequena inaugurou um outro processo de interação: o dela com ela mesma!

Parecia viver um lindo momento de descoberta!

Ela se olhava, sorria, se aproximava como se beijasse o espelho, contava os cupcakes do pijama através do espelho, apontava para seu rosto, falando: olhos, nariz, boquinha (no diminutivo), cantava, falava cores em inglês, mostrando a estampa do pijama através do espelho...

Ficou um longo período em estado de alerta, olhando para si mesma através do espelho. Quando fiz menção de guardar o espelho, ela disse: "- Qué Letícia!"

Fiquei admirada, surpresa e feliz por ter deixado meu trabalho de coração aberto para atender minha pequena, que só depois da meia noite conseguiu, finalmente, cair em sono profundo, deixando a mãe exausta (mas feliz, repito) e com o trabalho pendente para o dia seguinte.




sábado, 20 de julho de 2013

Autoestima, escola e aprendizagem

O jogo da palavra foi para a escola. A ideia era socializar o brinquedo que Leti tanto gostou, como todos os seus colegas costumam fazer, e proporcionar um momento em que eles, seus colegas, pudessem compartilhar com a minha pequena (mais) uma atividade prazerosa e perceber o quanto ela pode ser exitosa numa atividade. Soube que o momento foi um sucesso! Mas não soube de detalhes. (Às vezes, em meio a muita gente, Leti acaba ficando tímida, falando baixinho...). Ainda assim, vale o esforço de estar sempre promovendo a elevação da sua autoestima.

Na véspera do dia em que o jogo foi para a escola, estive lá conversando com a coordenadora sobre o semestre que se inicia e um relato seu me encheu de alegria.

Ela me dizia que, no dia anterior, tinha estado na sala de Leti para observar a turma e que Leti encontrava-se na roda, envolvida na atividade proposta pela professora. Num dado momento, ela se afastou da roda, dirigindo-se a uma caixa grande que estava no armário. Quando a auxiliar tentou levá-la de volta à atividade, ela sinalizou que a deixasse à vontade, porque ela ficaria por perto. Como a caixa era pesada, ela a pegou. Na caixa, letras e números de madeira.

Uma colega logo se aproximou, juntando letras aleatórias que dizia formar o seu nome. Leti se envolveu com os números. Identificou todos e ficou brincando com eles. Um terceiro colega juntou-se ao grupo, e esse não reconhecia, ainda, as letras nem os números. A coordenadora, neste momento, aproveitou para colocá-la em evidência, mostrando ao colega que podia perguntar a Leti que números eram aqueles, porque ela, que os conhecia, lhe diria. 

Não preciso nem dizer que achei o máximo!

São momentos como esse que me fazem acreditar na proposta pedagógica da escola. A atividade planejada continou acontecendo para as crianças que estavam envolvidas e, paralelamente, uma outra atividade, tão rica quanto a primeira, proporcionou às crianças que despertaram outro interesse, a oportunidade vivenciar a experiência que elas desejavam e que, sem dúvida, contribuiu significativamente para o aprendizado delas. E o melhor: foi a minha pequena que impulsionou o movimento. 

Esse respeito ao desejo da criança e essa sensibilidade para aproveitar os momentos inusitados para construir uma atividade que possibilite o desenvolvimento de TODAS as crianças, sem dúvida, são diferenciais na construção da relação entre a criança, a escola e aprendizagem.

Falo isto partindo da minha experiência com Lipe. Fico pensando se sua relação com a escola teria sido diferente se, de fato, o modelo das escolas por onde passou tivesse acompanhado as significativas mudanças por que passou a sociedade e respeitado, efetivamente, o desejo dos alunos na sua construção do saber. 

Com Leti, por conta da sua situação, acabo tendo um outro olhar para a escola, para a educação infantil. Acho que a principal finalidade da educação infantil seja cuidar da infância; valorizando os desejos da criança, proporcionando um ambiente acolhedor e instigante, favorecendo os desdobramentos da inata curiosidade infantil, cuidando das relações interpessoais... 

Vejo muitos pais, como me via até pouco tempo, ansiosos por saber o que seu filho precisa ter aprendido até o final do ano para estar apto para cursar o ano seguinte. Preocupados com o desenvolvimento cognitivo regular dos seus filhos, que tentam avaliar, principalmente, com a sua proximidade do letramento. Vejo também a comparação, invevitável, com os coleguinhas de turma: seja com aqueles que estão mais próximos do letramento, seja como aqueles que estejam mais distantes.

E é natural esta preocupação. Fomos educados neste modelo, aprendemos assim e conseguimos nos tornar adultos responsáveis e bem sucedidos. Às vezes, não conseguimos enxergar um outro caminho que nos leve ao mesmo resultado de sucesso.

Por muito tempo, me vi presa nesta preocupação de querer saber o que Leti deveria estar aprendendo para fomentar, em casa, o aprendizado atrasado. Procurava, em casa, estar promovendo atividades que estimulassem sua melhor familiarização com o lápis, com o pincel, com a tesoura, com a cola, com as letras, com os números... Tentava fazer de uma maneira lúdica, envolvente, mas, mesmo quando ela dava mostras de que não era aquilo que queria fazer, eu insistia, pegava em sua mão, tentava mais um pouco. Muitas vezes irritando minha filha, e ficando extremamente estressada!

E acabei percebendo que Leti ainda não pega a tesoura, segura lápis e pincéis ainda de maneira inadequada, conhece números e algumas letras, não usa de maneira muito funcional a cola. Ou seja, ela aprendeu o que lhe dava prazer, o que estava no momento para aprender, aquilo a que ela se abriu para aprender.

Por outro lado, canta músicas em inglês e francês, sabe os números e as cores em inglês; além de reconhecer os números, começou a associá-los às quantidades correlatas, conhece muitas letras e associa algumas a palavras, fala frases inteiras num português correto, utilizando, inclusive o plural (mas muitas vezes fala na terceira pessoa), conhece formas geométricas, dentre tantas outras coisas que não consegui lembrar. Está aprimorando sua autonomia, escovando os dentes, pegando água e comendo sozinha, buscando o leite na dispensa quando o da geladeira acaba, escolhendo os brinquendos com os quais quer brincar, os desenhos que quer assistir os livros que quer ler... 

E foi por acaso que descobri que ela sabia muitas das coisas que sabe, porque não tinham sido plantadas por mim para estimular seu aprendizado.

Como isso não quero dizer que temos que cruzar os braços e deixar que as coisas simplesmente aconteçam. Esse post não é uma apologia à omissão! O que quero dizer é que, ao invés de estarmos preocupados com o que nosso filho precisa aprender, acho que precisamos estar mais atentos àquilo a que nosso filho demonstra querer aprender. Porque o aprendizado vem como consequência. Sempre! No tempo de cada um. Mas sempre vem. Porque é impossível que uma árvore cultivada na base do amor e do respeito não dê bons frutos.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Uma ideia, uma palavra e mil possibilidades

O gosto de Leti pela música é conhecido por todos. E a música, além de fonte de prazer, tem sido também modo de refúgio, instrumento de estereotipias, o que sempre me incomodou muito.

Não raras são as vezes em que Leti, buscando fugir de algo que não lhe agrada, fecha-se nos seus ahn ahn ahn, no ritmo de alguma musiquinha (normalmente, "parabéns pra você" ou "eu vou pra casa agora eu vou"), esquecendo-se do mundo.

Neste momentos, as tentativas de tirá-la do movimento já foram diversas: conversa, distração para outra atividade, contenção, imitação... Mas nada funcionava (o que acabava me deixando ainda mais irritada)!

Até que um dia, no carro, tive uma ideia. Inventei uma brincadeira, que denominei Brincadeira da Palavra. Eu lhe dizia uma palavra e ela cantava uma música que tivesse aquela palavra (parecendo aquele antigo programa de Sílvio Santos: Qual é a Música).

Impressionante como ela entendeu, se envolveu e curtiu a brincadeira!

E assim, vínhamos brincando há quase um mês da brincadeira da palavra, sempre que ela pedia, ou quando percebia que estava menos aberta a outras brincadeiras.

E ela é excelente na brincadeira!!! Sempre associa as palavras às músicas. Às vezes, inverte os papéis e ela escolhe a palavra (que algumas vezes acabam sendo duas). Quando não descobre de primeira, depois de uma ou algumas dicas, consegue matar a charada e se mostra sempre motivada e disposta a continuar. Quando a palavra é mais difícil, e não uma palavra chave da música, às vezes digo quem canta e ela já acerta. Às vezes, digo outra palavra... O terreno é fértil para um bom tempo de brincadeira. E como esses momentos têm nos feito felizes!

No final de semana, tive outra ideia: transformar nossa brincadeira num jogo e aproveitar a oportunidade para explorar outras habilidades da minha pequena: tempo de concentração, jogo de regras, saber esperar a vez, brincadeira em família, familiarização com as palavras, reconhecimento de letras, leitura de imagens, conceitos matemáticos...

E assim foi que passei a noite de domingo, enveredando pela madrugada, escolhendo imagens, selecionando músicas, procurando palavras com todas as letras do alfabeto (nem consegui...), formatando o design das cartas, do texto, escolhendo o nome do jogo até que tudo ficou pronto: Nosso Jogo da Palavra.

Como estou sem impressora, precisei sair no dia seguinte para providenciar a impressão e a plastificação (para garantir uma maior vida útil) do material.

Só à noite consegui cortar todas as cartas para, no dia seguinte, apresentar o resultado à minha princesa. Estava ansiosíssima!!!!

Ao ver as cartas, ela demonstrou um misto de curiosidade e excitação. Parecia não entender como nossa brincadeira poderia ter se materializado em cartas.

Mostrei-lhe que em cima havia o nome do nosso jogo e, embaixo, a palavra referente à imagem (destaquei as iniciais de cada palavra, para ela começar a fazer associações).

Foi tão bonitinho! Ela pegava as cartas, via a imagem, e passava o dedo por cima da palavra, como se a estivesse lendo. E, assim, leu leão, palhaço, gato, sapo, Cuca, casa... Em algumas cartas, antecipei a palavra, para dirimir a dúvida, como sabiá (que ela poderia ler passarinho), carrinho (porque estava no diminutivo, como a música que ela conhece), canoa (que ela não conhecia)... 

Ao pegar a carta do alecrim, ela passou o nome por cima da palavra e disse: árvore. Eu lhe disse, essa é uma árvore do alecrim. rs

Este primeiro momento foi de exploração. Ela quase não cantou música alguma, o que me deixou um pouco preocupada com sua aceitação e com a funcionalidade do jogo. Mas, passada a excitação inicial, deu para perceber o sucesso do nosso joguinho (sem qualquer falsa modéstia kk).

Temos usado em vários contextos: sentadas a uma mesinha, como um jogo de tabuleiro, no chão, enquanto ela usa o penico e, até, deitadas na cama, quando ela acorda muito cedo querendo brincar e a mamãe só quer mais cinco minutinhos de descanso. E é sempre ELA que pede para jogar, o que é o melhor!

E como ela é boa no Jogo da Palavra!!! Sempre se lembra rápido das músicas. E, quando não se lembra, com uma pequena dica, logo se empenha para acertar. Às vezes canta baixo, às vezes canta um pedacinho tão pequeno da música que não chega a mencionar a palavra, mas o importante é que se envolve completamente na brincadeira e se diverte de verdade!

Hoje, enquanto eu a esperava no penico, brincávamos muito entusiasmadas no banheiro e quando eu, no meu usual alto timbre de voz, li a palavra, Lipe, lá do seu quarto, começou a cantar a música. Logicamente, aproveitei a oportunidade, e num tom ainda mais alto, disse: - Lipe acertou, ganhou a carta do sabiá!!!! Imediatamente ele apareceu no quarto e começou a brincar conosco. Ao final, junto com Leti, contamos quantas cartinhas ela havia ganho (oito) e quantas Lipe tinha conseguido (quatro), para concluirmos que, como ela ganhou mais, tinha vencido o jogo.

E assim, com uma ideia simples, consegui proporcionar diversão a minha filha, trabalhar sua auto estima (ao demonstrar-lhe que ela tem grandes habilidades que lhe permitem vencer um jogo), integrar nossa família, além de explorar, de uma maneira espontânea e divertida, conceitos pedagógicos de língua portuguesa e matemática.

A palavra que resume o momento: FELICIDADE!



domingo, 7 de julho de 2013

Novidades


Sempre que Leti faz xixi na roupa, depois de limpá-la, peço que pegue em sua gaveta uma calcinha para vestir.


Em TODAS as vezes, ela, sem prestar muita atenção, pega mais de uma calcinha e me entrega, ao que, invariavelmente, lhe respondo: - Só quero UMA calcinha!



Depois de muita conversa e articulação, ela acaba devolvendo as outras à gaveta e me dando uma para lhe vestir. 



Nesta semana, a cena se repetiu.

Desta vez, tinha duas calcinhas na mão. Na mesma mão.

Então lhe disse que só precisávamos de uma, e pedi que me dissesse quantas tinham na sua mão.

Ela, sem olhar direito, contava: - um, dôs, tês. E repetia o mesmo.

Então lhe pedi: - coloque as calcinhas em cima da cama, para contarmos quantas têm.

Colocamos uma ao lado da outra, e ela, prontamente, contou: - one, two!

Morri de orgulho e felicidade! 

Essa é a minha pequena. Me surpreendendo sempre!!!




XX


Para facilitar a minha vida, e proporcionar um pouco de diversão aos pequenos, coloquei ambos na banheira, com livros, brinquedos e a promessa de um delicioso banho de espuma.


Tudo ia bem. Como os dois brigavam quase de foice pelo livro de banho do Peixonauta (que trocamos na I Feira de Trocas), peguei dois livros de banho que tinham sido de Lipe para incrementar o banho.

Leti abriu o livro do coelho e começou: "era uma vez um coelho", "tinha uma vaca que fazia muuuuu", "tinha o amigo porco"...

Falava quase sussurrando, e essas foram as partes que consegui compreender.

Até que começou a colocar a mão embaixo do bumbum.

Pensei que estivesse incomodada por ter sentado em cima de algo, quando de repente, não mais que de repente, a mão saiu de baixo do bumbum com um bônus: um substancial pedaço de cocô. E depois outro, e mais outro. 

Desespero total!!!!!

Tirei da banheira, esvaziei, limpei (ela e a banheira), para depois colocá-la de novo. Mas como nada é tão ruim que não pode ficar pior, para completar, ela resolveu fazer xixi (e inundar) no chão do banheiro.

Devolvi rapidamente os rebentos à banheira, enquanto ainda a enchia, para poder, agora, poder dar cabo do naufrágio.

Resolvidos os problemas incidentes, sem mais nenhuma surpresa, pude sentar e me deliciar vendo meus dois pequenos se divertindo num gostoso banho de espuma, com uma felicidade que emanava dos seus poros e derretia a mamãe aqui.


XX


E, aproveitando a onda de música erudita em casa (SQN), Leti incrementou a versão do "eu quero tchú", que Teteu vive dançando pelos cantos, e, vez por outra, é flagrada cantando: "- eu quero five, eu quero six, eu quero seven..." Figura, essa minha filha poliglota.

XX


Minha pequena poliglota:




Prazer Aquático

É oficial: Leti está nadando! E mais que isso: ela se descobriu uma exímia e feliz nadadora. É lindo de ver a felicidade que exala quando está na piscina, a autoconfiança que adquiriu, seu fôlego embaixo d´água, a habilidade que nunca imaginei que pudesse ter...

Nada com seu professor, nada com o papai, com a mamãe e até para Lipe ela quis nadar na semana passada.

Ainda não tem uma técnica precisa. O professor está trabalhando com ela a coordenação entre nadar, tirar a cabeça da água para respirar e voltar  a nadar, coisa que ainda não faz, mas o progresso que teve em apenas 4 meses é inquestionável!!!

Estou extremamente orgulhosa da minha pequena! :)


junho de 2013:



maio de 2013


março de 2013

sábado, 6 de julho de 2013

O que você demora é o que o tempo leva... Ou não!

Há tempos ando cozinhando este post...

Desde o início do ano, quando uma pedagoga engajada em matéria de inclusão, e mãe de um menino com deficiência da idade do meu primogênito, me chamou para uma conversa depois de saber, através da escola de Leti, das minhas angústias (naquele tempo) sobre a minha pequena, tenho feito umas ponderações acerca da relação entre o tempo de Leti com suas atividades e o seu desenvolvimento.

E agora estas minhas ponderações estão me inquietando mais.

Explico por quê.

É muito comum que "pais especiais", quando descobrem que seus filhos têm um atraso no seu desenvolvimento (seja motor, cognitivo, de comunicação, ou o que quer que seja), queiram, num primeiro momento, investir tudo o que lhes esteja ao alcance para proporcionar a estes filhos a chance de recuperar o tempo perdido.

E assim, muitas vezes, acabamos ocupando todo o tempo livre de nossas crianças com fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicólogo, aulas de música, de natação, equoterapia..., sempre imbuídos da melhor intenção, que é a de ver o progresso dos nossos pequenos.

Há, inclusive, abordagens terapêuticas que condicionam os bons resultados do trabalho a uma exposição mínima da criança com deficiência a 40 horas semanais de atividades de estímulo, dentre as quais se incluem as atividades escolares.

Sempre tive muito receio da ocupação excessiva do tempo de Leti, embora reconheça que ela sempre fez muitas atividades de estimulação. Recentemente, além da Ciranda, que contempla um trabalho terapêutico integrado e em grupo, ela ainda tinha psicóloga, fono, aula de música, de natação e escola. Mas vinha dividindo os turnos da escola com a Ciranda, o que deixava suas manhãs um pouco mais livres.

Agora neste segundo semestre, a Ciranda vai para o contraturno. O que significa que, além de ter todas as tardes ocupadas com a escola, Leti terá três turnos matutinos destinados à Ciranda, o que lhe renderá apenas duas manhãs livres para as atividades remanescentes e para o tempo de ser criança.

Como atividades remanescentes, leia-se: psicóloga, fono, natação e música.

Cheguei a conversar com sua psicóloga sobre as atividades e o que ela me disse foi que Leti dará mostras de desconforto se as atividades que faz estiverem sendo demasiadas para ela. Ainda assim, estou avaliando a possibilidade de suspender as sessões de fono, considerando que na Ciranda já há um trabalho direcionado para a parte de comunicação.

As aulas de natação e música sequer cogitaria em suspender, já que são atividades que, indiscutivelmente, lhe proporcionam enorme prazer. E a terapia individual também considero fundamental, tendo em vista o enfoque da psicóloga, que vem trabalhando com Leti a constituição e o reconhecimento do seu "eu", e o suporte que ela tem me dado no trato com meus filhotes.

O fato é que essa dúvida quanto ao limite de atividades de Leti nunca me deixa. Sempre vivo nos meus dilemas, sem saber se ela precisa de várias atividades, para poder ser estimulada corretamente, ou se precisa de tempo livre para fazer o que quiser.

Certa vez, conversando com a mãe de uma menina com down, que fazia terapia junto com Lipe, e que era uma lindona de tão esperta (falo no passado porque acabei perdendo o contato), fiquei super deprimida, me sentindo o cocô-do-cavalo-do-bandido, enquanto ela me relatava, visivelmente motivadíssima, como, ao longo de toda a infância de sua filha, havia aproveitado cada momento, sem se dar direito a descanso, e a uma vida out filha, cuidando dela, estimulando-a, levando-a a terapias, lendo, estudando, enfim, fazendo tudo em função de sua filha, o que incluiu, inclusive, o abandono do trabalho para poder lhe dedicar atenção exclusiva. Ela falava pelos cotovelos, sempre me aconselhando a fazer o mesmo e a não desperdiçar um segundo sequer da vida da minha filha, estimulando-a diuturnamente para poder obter bons resultados.

Saí me sentindo a mais incompetente das mães, já que, apesar de achar que procuro estimular a minha filha, nem de longe chego a essa dedicação exclusiva e exaustiva proposta por esta mãe. Mas, passada a crise, coloquei-me a pensar se, realmente, aquele seria o melhor caminho.

De acordo com essa mãe, cada segundo que não fosse aproveitado para estimular sua filha seria uma oportunidade perdida para promover o seu desenvolvimento. A mãe precisava ser, portanto (na minha modesta conclusão), uma deliberada máquina de estimulação infantil.

E tudo o que não quero ser para a minha filha é uma máquina de qualquer coisa que seja.

Lembro-me bem de uma avaliação que fiz com uma psicóloga, quando Leti nem um ano de vida tinha ainda, e eu lhe perguntava se podia carregar minha pequena virada para mim, desobedecendo a fisioterapeuta, que orientava que eu a carregasse virada para o mundo, para tentar corrigir sua hiper extensão de pescoço. Sua resposta marcou aquele momento da minha vida. Ela me disse algo do tipo "Sempre que tiver alguma dúvida, se pergunte: - isso pode fazer mal a minha filha? E acrescentou que não lhe parecia que carregar Leti virada para mim, aconchegando-a em meu colo, pudesse lhe fazer qualquer mal, ainda que, tecnicamente, não fosse a maneira mais apropriada para favorecer a melhora da sua postura. Concluiu que fisio de Leti qualquer uma podia ser, mas mãe, só eu".

Naquele momento despertei para a possibilidade de ser simplesmente mãe da minha filha, ao invés de tentar ser sua mãe-fisio-fono-TO-pedagoga-e-tudo-mais.

Mas, ainda assim, por muito tempo, oscilei bastante o meu comportamento em relação a minha filha. Por vezes, investia numa relação leve, de mãe e filha, desprovida de grandes preocupações, e, muitas vezes, sucedida por homéricos acessos de culpa; por outras, procurava manter-me mais engajada em estudos e práticas que pudessem promover seu maior desenvolvimento, ocupando seu tempo com atividades que buscassem lhe ensinar alguma coisa, ainda que ela não demonstrasse qualquer interesse em aprender. O meio termo sempre foi difícil para mim. Acabo de descobrir que sou uma mulher de extremos!

Depois da má fase que ela passou no início do ano, e do acompanhamento com a excelente psicóloga que passou a ter, mudei a maneira de enxergar a minha filha e a forma de aproveitar o tempo que temos juntas.

A partir de então passei a valorizar mais o eu-simplesmente-mãe, quando ele entra em conflito com o eu-mãe-estimuladora-de-uma-filha-com-deficiência. Porque, logicamente, sempre que posso conciliar, procuro estimular a minha filha da maneira orientada pelos terapeutas. Até porque acredito que o trabalho com os terapeutas tem que ser feito em parceria e que esta parceria traça o caminho em direção ao sucesso. Apenas optei por não entrar na nóia de ter que ser para a minha filha uma Super Estimuladora, 24 horas por dia, sem direito a descanso, com medo de desperdiçar suas oportunidades de desenvolvimento.

Aprendi a interpretar melhor suas formas de comunicação, orais ou corporais, dando-lhe um retorno sobre seus sentimentos quando seu corpo tenta falar por ela, a valorizar suas manifestações de vontade, optando pelas atividades que ela demonstra desejar realizar, em detrimento daquelas que ela repudia, sempre deixando claro que estamos optando por essa ou aquela atividade porque ELA preferiu assim.

E tem sido delicioso descobrir o ser desejante que existe dentro da minha filha. Tem sido muito prazeroso auxiliá-la a dar nomes aos sentimentos que a impulsionam a suas estereotipias. Tem sido recompensador limitar-me a dividir com ela momentos que lhe proporcionam prazer, buscando alternativas de modus operandi para as atividades que acho importantes, mas que não a motivam, seja por se tratarem de meras atividades de repetição, seja por  exigirem dela um esforço que ela não está disposta a despender.

Sei dos estudos sobre a plasticidade cerebral, sei que nesta fase da vida temos um terreno propício a bons estímulos e grandes aprendizados, mas não quero cobrar da minha filha um preço que ela não possa pagar, ou que lhe seja custoso demais, para buscar, sem garantias, esse desenvolvimento.

Sinceramente, se a opção pelo respeito a suas vontades implicar numa maior demora para aprender certas coisas, vamos esperar, e estarei convicta que este tempo não será perdido, mas ganho em qualidade de uma vida feliz, que é o que busco para minha princesa.



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