quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Quando um SE não pode mudar nada...

A sensação que me toma hoje é estranha. De abalo. De urgência. De necessidade.

Ontem, enquanto comemorávamos com a família e alguns amigos o quinto aniversário de Mateus, num buffet infantil escolhido pelo aniversariante, uma criança de 11 anos morreu no bairro em que moramos. Pertinho da nossa casa.
 
Poderia ser apenas mais uma nas estatísticas. Mas o contexto em que aconteceu, revestido de uma enorme fatalidade, sem dúvida assumiu uma proporção gigantesca, tocando pessoas que aquela família, por toda a vida que lhe resta, certamente sequer chegará a conhecer.
 
Enquanto os pais trabalhavam, a criança caiu da janela do vigésimo andar do seu apartamento.
 
Várias versões da história circularam em redes sociais, sempre acompanhadas de uma manifestação de solidariedade com aquela família e de um alerta para a segurança das nossas casas.
 
Mas, apesar de eu ter ficado sabendo da história ainda ontem, durante a festa, parece que uma espécie de anestesia não permitiu que eu dimensionasse efetivamente o ocorrido. E a festa acabou, voltamos para casa, abrimos presentes e fomos dormir. Exaustos! Como era esperado para o movimentado dia.
 
Hoje pela manhã, ainda no whatsapp, uma amiga dizia que teria visto na TV que a rede de proteção do fatídico cômodo tinha um furo e que, talvez, este tivesse sido o motivo do acidente.
 
Logo depois entrei no carro, para ir ao trabalho, e, no som, tocava "See you again":
 
It's been a long day without you, my friend,
And I'll tell you all about it when I see you again,
We've come a long way from where we began
Oh, I'll tell you all about it when I see you again
When I see you again
 
Foi o momento em que caí na real. A música, confesso, já me toca de uma maneira especial, porque me remete a um momento de reencontro com meu mais velho, de fortalecimento de vínculo, de cumplicidade... Costumo dizer que é nossa música, independentemente da letra, por conta de um momento específico de nossas vidas. Um momento de amor.
 
Mas a música fala do reencontro de um amigo que ficou com outro que partiu para outro plano, e do desejo de compartilhar os sentimentos de perda com ele.
 
Imediatamente me lembrei que, há poucos meses, havia um furo na rede de proteção do quarto de Lipe. Feito por ele, por uma inconsequência qualquer da adolescência, e que acabou comprometendo toda a rede que, sem eu saber, foi por ele mesmo retirada do quarto.
 
Ficamos 24 horas sem a rede, até eu providenciar a substituição, e foram horas tensas, em que eu orientava que a janela ficasse fechada, mas temia um vacilo qualquer de alguém.
 
O fato é que, a junção de tudo fez meus olhos marejarem. E, pouco tempo depois, as discretas lágrimas foram substituídas por um choro intenso, incessante diante de uma mera possibilidade daquela fatalidade ter acontecido em minha casa, dando sentido à música que já me toca tanto, mesmo sem a letra dizer a mim, nada em particular.
 
Senti, talvez, um milésimo da dor daquela mãe, daquela família, e fiquei imaginando se ela já teria caído na real, se já tinha se dado conta da sua perda, se alimentava algum sentimento de culpa em relação ao ocorrido. É que vejo as mães como um poço interminável de culpas.
 
E fiquei imaginando que, talvez, uma sequência de SEs passasse pela sua cabeça, como forma de evitar o que, infelizmente, não poderia mais ser evitado: se ela estivesse em casa; se não houvesse furo (se é que tinha mesmo) na rede; se ele não precisasse olhar para o andar de baixo; se alguém tivesse a seu lado... Tantos SEs passariam pela minha cabeça...
 
Mas o fato é que, penso eu, com os poucos dados que disponho sobre o ocorrido, a tragédia que acometeu nosso bairro na noite passada talvez não pudesse ser evitada SE acontecesse isso ou aquilo. Cada decisão em nossa vida, por menor que seja, vem revestida de um risco natural, humano. Alguns são mais facilmente constatáveis, outros, infelizmente, não. E é possível que, ainda que a mãe estivesse ao lado do filho, em casa, o resultado final continuasse sendo o mesmo. Mas em relação à morte, nunca vamos saber.
 
E agora resta àquela mãe, e falo dela em especial por uma questão de empatia, buscar forças, e só ela saberá de onde, para reerguer a cabeça e seguir a vida, carregando em si um vazio que só quem é mãe pode imaginar mais ou menos o que seja.
 
A nós, que nos consternamos com o ocorrido, resta, sim, atenção redobrada às normas de segurança doméstica, e autoavaliação quanto às prioridades de nossas vidas.
 
Não falo em deixar de trabalhar para cuidar dos filhos, ficando 24 horas vigilantes ao lado deles. Não é isso. Cada qual sabe da sua realidade. E até porque, como disse, tal decisão não traria uma imunidade em relação às fatalidades. Não poderíamos ser ingênuos em acreditar nisso, por mais super protetores que possamos ser.
 
Mas acho que, se quisermos fazer como Poliana, e extrairmos algo bom desta tragédia, devemos estar atentos ao nosso dia a dia. Beijarmos mais. Abraçarmos mais. Falarmos do nosso amor. Pedirmos desculpas. Estarmos inteiros junto àqueles que amamos nos momentos que tivermos para eles. Sermos verdadeiros. Humanos. Solidários. Amorosos. Empáticos às dores e necessidades do outro...
 
E que não precisemos de uma grande dor, para começarmos a valorizar mais os pequenos gestos de amor.

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