Eu pensava que estava imune a isso. Principalmente agora, que estou afastada do trabalho, cercada de mimos da mamãe, em fase de conclusão de obras no novo apê e com mais tempo disponível do maridão.
Mas acho que é isso. Mais tempo ociosa. Eu, acostumada a viver com mil-coisas-a-fazer-ao-mesmo-tempo-agora, com mais tempo livre, tenho me dado ao luxo de parar para refletir sobre o meu papel em relação ao estágio de desenvolvimento de Leti.
Reconheço tudo de bom que aconteceu em sua vida neste último ano, e não tenho falsa modéstia quanto a minha responsabilidade em seus ganhos. Tenho convicção de que minha filha é feliz e, apesar disso dever ser suficiente para tranquilizar meu coração, confesso que não estou tranquila.
Ontem, depois de uma tarde difícil e reflexiva, tive muita vontade de chorar e chorei. Muito. Tinha vários compromissos sociais, mas a vontade era deixar tudo de lado e me largar numa cama. Sozinha. Acabei indo para uma festinha de criança, com meus pimpolhos, ainda que preferisse ficar em casa...
Uma palavra tem ecoado muito em minha cabeça: consistência.
Esta palavra foi usada num contexto muito apropriado por uma fono nova que está avaliando Leti.
Nessa fase de avaliação, acabei caindo na real e percebendo que, apesar de todos os avanços da minha pequena, ela ainda tem muito pouca autonomia para a prática dos atos de vida diária.
E, sinceramente, acho que a culpa disso é minha. (culpa, culpa, culpa... é como me sinto)
A TO que a acompanha, regularmente, a submete a alguns instrumentos de avaliação e, sempre que termina de tabular os questionários, me orienta como proceder e fixa algumas metas para o semestre seguinte.
No início, estou sempre empenhada, e fazendo tudo conforme o determinado, à risca.
Mas, com o passar do tempo, o empenho vai diminuindo, até eu esquecer das orientações para a minha lição de casa.
Resultado disso é que ela ainda não tira e veste a roupa sozinha, não lava suas mãos, não ajuda no banho, não saiu da fralda, não sobe na cama (apenas desce), não enfrenta degraus, não abre zíperes, não penteia seu cabelo, não calça seu sapato...
Outra coisa que tem me incomodado, como disse no último post, é a multiplicação das estereotipias. Fico enlouquecida, sem saber o que fazer. Com as que não trazem dano potencial a sua saúde ou integridade física (flapping, balanceio, sonoras...), tenho praticado a imitação sugerida pelo son-rise, e tem dado bons resultados.
Com as outras, ainda fico sem saber que caminho trilhar. Quando bate a cabeça ou tenta morder a própria mão (ela começou a fazer isso quando tenta nos morder, para não fazer algo que não deseja, e não consegue), tento tirá-la do movimento, procurando usar um tom de voz equilibrado, mas decidido. Quando coloca os três dedos na língua, para molhá-los e passar em alguma superfície (mesas, cadeiras, sofás, ou até no próprio corpo), procuro interceptar o movimento logo que percebo que ela vai iniciá-lo. Estou tentando conter a enorme proporção que o movimento tem tomado. Ultimamente, ela vinha fazendo isso o tempo inteiro.
O fato é que às vezes me acho muito centralizadora. Acho que só eu sei o certo para minha filha: só eu sei brincar, só eu sei dar a comida, só eu sei dar o banho, só eu sei conversar, ...(me sinto uma chata, embora as pessoas à minha volta nunca tenham tido a coragem de me dizer isso, assim, abertamente), e esqueço que não sou só eu que estou com ela 24 horas por dia, e que ela precisa de pessoas que mantenham a mesma consistência das atitudes que acho certas para ela.
Ou seja, não adianta, por exemplo, eu fomentá-la a ajudar-me a tirar sua roupa, toda vez que ela precisa ser despida, se as outras pessoas não souberem como fazer isso também.
Então, ao invés de eu conversar com as pessoas que lidam com ela (diga-se: babá, secretária da casa, papai, irmão, avós, tios, tias, primos...) para explicar a relevância de cada atitude, e reforçar a importância da consistência na repetição, eu faço a minha parte, esperando que as pessoas, olhando, entendam que devam fazer o mesmo. Ou às vezes até falo, mas não monitoro para verificar se estão fazendo da maneira correta ou com a regularidade necessária.
O resultado é que, quando aquela fase de motivação inicial vai passando, eu vou me descuidando da consistência em minhas atitudes, e elas ficam completamente sem eco porque as outras pessoas não as assimilaram direito.
O mesmo acontece em relação ao controle das estereotipias. Não adianta eu conter a nova "mania salivar" se, quando eu der as costas, a secretária da casa (que está substituindo a babá de férias) deixá-la livre para repeti-la inúmeras e inúmeras vezes.
E assim, vira e mexe, fico incomodada quando deixam ela no DVD mais tempo do que acho certo; quando brincam com ela, assistindo a um programa na TV, manuseando o celular, ou sem clima de animação; quando deixam ela sozinha, entretida com suas estereotipias; quando a pegam no colo ao invés de estimulá-la a andar; quando fazem tudo por ela ao invés de estimular sua autonomia...
Ando impaciente com tudo, me achando gorda, horrorosa, chata, mandona, incompetente... Ando preocupada com a minha capacidade para criar e educar 3 filhos. Ando ansiosa por resultados que sei que levam tempo para ser alcançados. Ando em conflito, sem saber o liame existente entre o meu papel de mãe e o de terapeuta da minha filha...
O primeiro passo para a solução desse problema, sem dúvida, perpassa pelo diálogo. E feita esta reflexão, seguida de uma sistematização do turbilhão de coisas que estou sentindo, estarei mais preparada para isso.